Os "gringos", porém, não estão nem aí. Munidos de filmadoras e câmeras digitais, eles querem registrar algo que inexiste em seus países. A van de uma das empresas que organiza incursões por favelas do Rio os recolhe, em uma manhã ensolarada de domingo, na frente do Copacabana Palace. São europeus, norte-americanos e australianos. O destino do passeio? A comunidade da Rocinha. "Estamos indo a um lugar que muitos brasileiros consideram proibido", explica, em inglês, o guia Everaldo Costa, enquanto o veículo passa ao lado dos suntuosos edifícios da Gávea. "Alguns bairros da cidade têm padrões de vida com nível de primeiro mundo. Na Rocinha, a realidade é africana". A estrada serpenteia morro acima. Alguns metros antes do começo da favela, belas mansões ainda dominam o cenário. Mas a paisagem muda em segundos: "Agora estamos saindo do Canadá e entrando em Gana", compara Everaldo, quando a van cruza a fronteira entre dois mundos. Muitos moradores do bairro de São Conrado, vizinho da Rocinha, pagam o mais caro IPTU do Rio de Janeiro.
Na entrada da favela, uma montanha de lixo dá as boas-vindas aos turistas (dois caminhões coletores da prefeitura trabalham no local, mas parecem pequenos à sombra de tantos detritos). O mau cheiro avança para dentro do veículo. Todos descem em um lindo mirante que existe na Estrada da Gávea, já dentro da Rocinha. O Pão de Açúcar, o Corcovado e a lagoa Rodrigo de Freitas se unem em uma visão sublime, lá embaixo. O paisagista estadunidense Eric Papetti dá as costas à cidade maravilhosa e desenha, em seu caderno, as casas amontoadas umas sobre as outras que se estendem pelo morro. Dois moradores da favela, Reginaldo Teixeira e Adriano da Silva, tentam vender aos turistas, por R$ 35, pinturas de arte naïf, feitas por eles mesmos em pequenos quadros. Adriano, que tem apenas 17 anos, afirma lucrar com o "Favela Tour" até mil reais por mês. Reginaldo, por sua vez, diz que tal trabalho o mantém "afastado do crime". Nem tudo, porém, é bom agouro. O guia Everaldo Costa avisa, enfático: "Não tirem fotos de ninguém nem das vielas. Pode haver traficantes por ali", e chama a atenção de um dos turistas que insiste em apontar sua filmadora para todos os lados. Moto-taxistas (uma atividade não permitida no Rio de Janeiro, mas que funciona a pleno vapor dentro das favelas) cruzam alucinados, e sem capacete, as vias locais. Na vitrine de uma loja de caixões, um letreiro diz, tal qual uma promoção das Casas Bahia: "Funeral a partir de R$ 499". E pendurada em um poste cheio de ligações elétricas irregulares e dispositivos de internet banda-larga, uma placa informa: "Só Jesus livra do crack". A turista alemã Nina Gessner relata que já fez uma excursão parecida na Namíbia. Mas, mesmo assim, confessou que "sentiu-se culpada antes de fazer esse passeio no Rio". "Pensei que poderia parecer uma excursão ao zoológico, ficar observando a pobreza. Mas acho que é importante para conhecer o verdadeiro Brasil", opina ela. E a Rocinha, parte de um país famoso por seus contrastes, logo se transforma. O grupo entra na rua conhecida como Caminho do Boiadeiro, onde há uma animada e colorida feira dominical. Jovens anunciam CD's piratas e frutas de todos os tipos são vendidas a baixos preços. O aroma do lugar é doce, assim como o caldo da cana vendido a R$ 1,50 dentro de Kombis. Os turistas, perscrutados com curiosidade por alguns dos moradores, ficam interessados na barraca das jabuticabas. Ao fundo, dois violeiros tocam músicas nordestinas, odes ao Brasil e, é lógico, à Rocinha.
Verdade inconveniente x exploração da pobreza
O "Favela Tour" é um passeio requisitado. O fluminense Marcelo Armstrong, que se diz o precursor da atividade no país, conta que sua empresa atende, por mês, cerca de 900 turistas (cobra R$ 65 de cada um) e nega que a iniciativa explore a pobreza alheia: "Nosso objetivo é mostrar ao turista a realidade social do Brasil, que favela não é só violência". Segundo ele, parte do dinheiro arrecadado é repassado à ONG Para Ti, que dá educação a crianças e adolescentes da comunidade Vila Canoas. "Investimos R$ 46 mil na Para Ti em 2008". E continua: "Além do ganho financeiro, existe o benefício da mudança de imagem da favela, toca na auto-estima do morador". Mas o próprio Armstrong admite: "Quem faz a segurança dos turistas na favela não é a polícia, são os traficantes". Os estrangeiros querem saciar sua curiosidade sobre a miséria brasileira - e pagam para isso. E o "Favela Tour" não pode ser acusado de esconder as mazelas do país. Todas as explicações dadas aos visitantes são realistas: há a admissão de que o tráfico ocupa o lugar do poder público no controle das favelas do Rio (existem aproximadamente mil delas na cidade, onde vive 20% da população local), mas há a constatação de que apenas uma minoria desses moradores são bandidos. Trata-se de uma experiência verdadeira, sem dúvida. Só resta saber se os turistas voltarão para casa com um grande aprendizado ou com apenas um divertido filme de safári em mãos.
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